Responda rápido: quando foi a última vez que você não fez nada?
Não estou falando de "assistir a uma série" (consumir conteúdo). Não estou falando de "meditar" (otimizar a mente). Não estou falando de dormir (recarregar para o trabalho). Estou falando de inatividade radical. Olhar para o teto. Deixar a mente vagar sem rumo.
Se você sentiu uma pontada de culpa só de imaginar essa cena, parabéns: o algoritmo já está rodando dentro de você. O Patrão Invisível não precisa mais de chicote, nem de cartão de ponto. Ele vive na sua consciência, sussurrando que cada segundo não monetizado ou não otimizado é um pecado mortal.
No passado, na "Sociedade Disciplinar" descrita por Foucault, o controle vinha de fora: o capataz, o chefe, a sirene da fábrica. Hoje, o controle foi internalizado e gamificado.
Aplicativos de entrega (Uber, iFood) utilizam técnicas de videogame para gerenciar trabalhadores sem nunca falar com eles. "Complete mais 3 corridas para ganhar um bônus de Nível Prata". "A demanda está alta, não pare agora". O trabalhador sente que está jogando, que tem autonomia, que é um "empreendedor". Mas ele é um peão em um tabuleiro cujas regras mudam a cada atualização de software.
O economista Guy Standing identifica uma nova classe social: o Precariado. Diferente do proletariado (que tinha estabilidade e direitos), o precariado vive na incerteza crônica. Ele não tem identidade ocupacional fixa ("faço bicos") e vive sob o medo constante de perder a conexão com a plataforma. É uma classe de "nômades digitais" forçados, cuja sobrevivência depende de agradar um algoritmo que eles não compreendem.
Isso se estende aos escritórios corporativos com softwares de Bossware que tiram prints da sua tela a cada 10 minutos para garantir que você não está ocioso. A ociosidade, que antigamente era a mãe da criatividade, agora é tratada como "roubo de tempo".
Para entender a profundidade dessa doença, invocamos o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han. Em Sociedade do Cansaço e Psicopolítica, ele argumenta que não vivemos mais sob o regime do "Não Pode" (proibição), mas sob o regime do "Você Pode" (positividade).
O slogan da Nike, Just Do It, é o mantra dessa era. A violência não é mais infligida por um inimigo externo; é auto-infligida. Nós nos exploramos voluntariamente e apaixonadamente, acreditando que estamos nos "realizando".
A Violência da Positividade:
O excesso de positividade leva a uma saturação do Eu. O resultado não é a revolução, mas a depressão e o Burnout. O Burnout não é apenas cansaço; é o "infarto da alma". É quando a bateria pifa porque o sistema de carregamento foi hackeado.
Han propõe que a verdadeira liberdade reside no "Não-Fazer". É a capacidade de dizer NÃO aos estímulos. É o "Tédio Profundo" (Deep Boredom). Sem o tédio, não há criatividade, apenas reprodução acelerada do mesmo. A máquina nunca fica entediada; ela apenas processa. Ser humano é ser capaz de parar.
| Sociedade Disciplinar (Foucault) | Regime do "Dever". Negatividade. Hospitais, Prisões, Fábricas. Gera Loucos e Criminosos. |
| Sociedade do Desempenho (Han) | Regime do "Poder". Positividade. Academias, Escritórios, Apps. Gera Depressivos e Fracassados. |
A resistência à Sociedade do Desempenho não é "trabalhar melhor" ou usar um app de produtividade para organizar suas tarefas. Isso é tentar apagar o fogo com gasolina.
A resistência é reivindicar a Soberania do Tempo. É entender que seu tempo não é uma moeda; é o tecido da sua vida. Jonathan Crary, em 24/7, alerta que o sono é a última barreira que o capitalismo ainda não conseguiu monetizar completamente (embora estejam tentando com apps de monitoramento).
Seu "Data Double" é produtivo 24 horas por dia. Ele gera dados enquanto você dorme. A versão real de você precisa ser improdutiva para continuar humana. A ineficiência, a lentidão e o silêncio são as únicas coisas que o algoritmo não consegue prever, vender ou imitar.
O Ritual do Nada (The Do-Nothing Challenge)
Este é o exercício mais difícil deste livro até agora.
Sua missão: Coloque um alarme para daqui a 10 minutos. Sente-se em uma cadeira, sem celular, sem livro, sem música e sem fechar os olhos para "meditar". Apenas fique acordado, de olhos abertos, sem fazer nada.
Você sentirá uma coceira mental. Uma ansiedade de que deveria estar "aproveitando" esse tempo. Essa ansiedade é a voz do Patrão Invisível morrendo. Deixe-o falar, mas não obedeça. Recupere a dignidade do tédio.