Você tem certeza de que a pessoa com quem você discutiu nos comentários hoje era real? Você tem certeza de que a imagem "perfeita" da paisagem que você curtiu foi vista por um olho humano antes de ser gerada? Ou será que estamos apenas gritando em um shopping center abandonado onde os manequins foram animados para fingir que há movimento?
A Teoria da Internet Morta começou como uma conspiração em fóruns obscuros. Ela dizia que a maior parte da internet já não é feita por humanos. Em 2025, essa teoria deixou de ser conspiração e tornou-se um fato técnico. Relatórios de segurança indicam que quase metade de todo o tráfego da web é não-humano.
A internet não "morreu" no sentido de desligar. Ela morreu no sentido de espírito. Ela tornou-se um teatro zumbi onde bots conversam com bots, algoritmos de recomendação sugerem conteúdo gerado por IA para outros algoritmos de indexação, criando um ciclo infinito de ruído sintético.
Em 1981, o filósofo Jean Baudrillard previu que nossa sociedade substituiria a realidade por símbolos e sinais. Ele chamou isso de "Hiper-realidade". O mapa (a simulação) tornou-se mais importante que o território (o real). Na Internet Morta, vivemos a fase final do simulacro: a máquina não imita mais o humano; ela imita outras máquinas que imitaram humanos. A referência original se perdeu.
O fenômeno mais aterrorizante da IA generativa não é que ela vai "roubar nossos empregos", mas que ela vai envenenar a si mesma. Chamamos isso de Colapso do Modelo (Model Collapse).
As IAs atuais (como o ChatGPT) foram treinadas raspando a internet humana (livros, artigos, fóruns escritos por pessoas reais). Mas, à medida que a internet é inundada por texto gerado por IA, as novas gerações de IA começam a treinar com dados feitos por máquinas. É um ciclo de incesto digital. A qualidade degrada. A realidade se distorce. A IA começa a alucinar padrões que não existem, tornando-se uma cópia degradada de uma cópia.
Neste deserto de simulação, algo paradoxal acontece: a Imperfeição Humana torna-se o novo luxo supremos. Walter Benjamin, em 1936, escreveu sobre a "perda da aura" na era da reprodutibilidade técnica. Hoje, a IA destruiu a aura da perfeição técnica. Qualquer um pode gerar uma imagem "perfeita".
O que a IA não pode gerar é a intencionalidade situada. Ela não pode gerar a dor de um erro, a hesitação de um traço, a cultura de um local específico.
A Afro-computação e o Fractal Humano
O matemático e antropólogo Ron Eglash, em seus estudos sobre fractais africanos, mostra como culturas indígenas usam a recursividade não para eficiência maquínica, mas para significado comunitário. A Afro-computação resiste à lógica linear do Vale do Silício. Ela valoriza o ciclo, o ritmo e a conexão com a terra.
A resistência à Internet Morta é a criação de "Internet Artesanal". Pequenos blogs, newsletters pessoais, fóruns fechados, zines digitais. Conteúdo que não escala. Conteúdo que tem "cheiro" de gente. A IA opera na média estatística; a arte humana opera no desvio padrão.
| Mimesis (IA) | Imitação estatística. Combina o que já existe. Busca o padrão. |
| Poiesis (Humano) | Criação de sentido (Trazer à luz). Rompe o que existe. Busca a verdade. |
A "Versão de Você" algorítmica é polida, consistente e otimizada. A versão real de você é falha, contraditória e bagunçada. Na era da Internet Morta, ser "bagunçado" é a única prova de vida que nos resta.
Precisamos desenvolver um novo instinto: o faro para a alma. Quando lemos um texto, não procuramos mais apenas a informação (a máquina faz isso melhor), procuramos a voz. Procuramos a idiossincrasia, a gíria local, a piada interna, a metáfora estranha que só faz sentido se você tiver um corpo.
A máquina pode simular inteligência, mas não pode simular vulnerabilidade honesta. A vulnerabilidade é o CAPTCHA definitivo.
O Teste de Turing Reverso
A próxima vez que você postar algo, comentar ou criar, pergunte-se: "Uma IA poderia ter gerado isso?"
Se a resposta for sim (ex: "Parabéns, sucesso!"), apague. Escreva algo torto. Escreva algo que dependa de um contexto que só você e seus amigos entendem. Use uma palavra que você inventou.
Sua missão: Injete entropia humana no sistema. Seja irracional. A lógica é o domínio dos robôs; o absurdo é o santuário dos humanos. Seja o Glitch.